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Meu pai, meu herói – Um ano sem Orlando D´Agostinho

Orlando D'Agostinho

https://vilamatildeemfoco.blogspot.com/

Em maio completa 1 ano que Orlando D’Agostinho nos deixou. Mais do que um grande homem, foi um exemplo para seus 3 filhos que sempre admiraram e seguiram seus exemplos de ética, caráter, honestidade, coragem e determinação. Ele sempre foi muito empenhado no registro e divulgação da história da Vila Matilde, além de ser um ativista ferrenho no desenvolvimento social e cultural da região. Sempre orgulhoso do local em que viveu por mais de 75 anos, fazia questão de afirmar que a vila chegou a ser a capital de São Paulo por alguns dias durante a “Revolução Esquecida”, em julho de 1924, quando o então governador, Carlos de Campos, fez seus despachos de um vagão parado na sua estação de trem.
Tanto foi seu trabalho neste aspecto que chegou a ser oficialmente nomeado como historiador do bairro, além de receber outros tantos certificados de gratidão importantes emitidos pela Câmara Municipal de São Paulo.
Nascido na Fazenda Santa Justa em São José do Rio Pardo em 22 de dezembro de 1942, seu pai só conseguiu ir até o cartório que da cidade para registrá-lo no dia 03 de janeiro de 1943. Embora seus documentos atestassem diferente, era 3 dias antes do Natal que comemorávamos seu aniversário. Filho de um lavrador, veio para a cidade grande com a família quando tinha somente 2 anos de idade. Foram morar no bairro do Ipiranga na casa de um tio, mas logo seu pai conseguiu um trabalho na Companhia Antarctica Paulista e assim pode alugar uma casa simples no bairro da Vila Matilde. Seu pai, Pedro D’Agostinho, foi operário por anos nesta fábrica de bebidas até que foi promovido a Ascensorista. Nos finais de semana Pedro trabalhava como barbeiro para aumentar a renda e tentar dar mais qualidade de vida para os seus.

Orlando sempre trazia memórias da vida sofrida na casa da rua Tomás Vita, onde morava junto com seus pais e seus 3 irmãos. Com muito esforço seu pai conseguiu comprar um terreno na mesma rua onde estavam morando de aluguel e logo conseguiram erguer uma casa, grande parte construída por seu pai e irmãos. Na época ele ainda não tinha idade para ajudar na construção, mas conta que carregar tijolos era uma diversão. No terreno desta casa ainda foram construídos mais cômodos que vieram a abrigar as famílias dos irmãos que se casaram. Ele mesmo morou ali, num quarto do fundo, quando se casou.
Foi uma pessoa de origem simples, mas não deixou as dificuldades da sua infância interferirem negativamente na sua busca por crescimento. Tinha muita gana e vontade de prosperar, mas nunca deixou que a ambição corrompesse seus valores e crenças. Tamanha era sua determinação que se curou, por si só, da gagueira que o afligia quando criança. Era gago, mas sua força de vontade fez com que se tornasse um exímio vendedor, sendo representante comercial de grandes empresas nacionais na área de tecelagem e cama, mesa e banho.
Vejam só, um gago se tornando um vendedor de sucesso. Parece impossível. Mas esta era a essência de Orlando: um lutador corajoso e sem medo dos desafios que a vida apresentava.
Ainda pequeno, com o apelido de “gaguinho”, conseguiu o MANUAL DE CALIFASIA, CLALIFONIA, CALIRRITIMIA E ARTE DE DIZER, de Silveira Bueno, publicado em 1952, quando tinha 9 anos de idade. Ele pegava o livro e ia com uma bicicleta velha de seu irmão até um morro perto da avenida Itaquera, num local alto e deserto, onde ficava lendo os dizeres do livro em voz alta, ou até mesmo gritando, como relatava. Com muita repetição e treinamento ele se viu livre da deficiência e pode, assim, ir atrás dos seus sonhos que requeriam uma ótima oratória.
Fez a escola primária no Grupo Escolar de Vila Dalila, que era um galpão de madeira na década de 50 e hoje é a Escola Municipal de Primeiro Grau 19 de novembro. Apesar de ter feito apenas até a 4ª série, seu pai sempre o estimulou a fazer cursos, o que ele via com muito interesse. Fez o curso profissionalizante de sapateiro no SENAI e ainda com 12 anos teve seu primeiro registro na Carteira de Trabalho do Menor e foi trabalhar como cortador de sapatos na Vila Maria Zélia. Tinha que dar todo seu salário para sua mãe e somente depois de alguns anos conseguiu comprar uma bicicleta Caloi 10 em prestação, tendo seu pai como fiador.
Já no final da adolescência começou a fazer pugilismo e chegou a participar do campeonato Forja de Campeões promovido pela Gazeta Esportiva. Conta que era para ter participado de uma competição na Itália, mas para isso ele não poderia ter o osso do nariz, a fim de evitar sangramentos excessivos durante as lutas. Em um treino, seu treinador orientou o “sparing” que o treinava a dar uma forte direita em seu nariz para que quebrar o osso, mas a mira não foi tão boa e o soco acertou sua boca, projetando-o para trás, fazendo-o cair sentado com os cotovelos na lona do ringue. Sentiu sua boca enchendo de sangue e ao cuspir, foram juntos dois dentes. Logo após isso parou com o boxe e chegou a praticar remo no Esporte Clube Corinthians, onde teve o privilégio de remar no rio Tietê.
Logo veio a fase que toda juventude anseia: a de festas e baladas. Filiou-se ao Crazy Club, começou a fumar e participar dos “bailinhos” com o pessoal do grupo que, anos mais tarde, foi intitulado de turma dos anos 60. Este grupo se reuniu com boa frequência na Sociedade Amigos da Vila Matilde durante as últimas décadas e ele fazia questão de participar dos encontros em todas as ocasiões.

Com a maioridade começou a trabalhar como vendedor de artigos para escritório e de assinaturas para o jornal Shopping News. Logo depois aceitou o desafio de ir para Mogi Mirim vender, de porta em porta, cadeiras-cativas do estádio que seria construído na cidade. Sua vontade de crescer na vida era tanta que se submeteu ao desafio de ir de ônibus para outra cidade, morando num pequeno quarto de pensão por meses, sem nenhum tipo de salário fixo. Ele acreditava no seu potencial e nada o amedrontava.
Num certo sábado ele caiu de sua Caloi 10 e se machucou. Dado o infortúnio, não saiu nesta noite e com isso pode acordar cedo no domingo, quando aceitou o convite da mãe para ir à missa. Na igreja ele conheceu e se apaixonou por Clarice Paschoalino, que veio a ser a grande mulher que serviu como um norte na sua caminhada. Casaram-se no dia 03 de dezembro de 1966, ele com 24 anos e ela com 18. Tiveram 3 filhos e permaneceram unidos por 55 anos, até sua morte em 10 de maio de 2022, aos 79 anos.
Ainda no início da sua fase adulta começou a interessar-se pelas questões sociais do bairro. Já casado fez parte ativamente da S.A.V.M, entidade em que veio a atuar como presidente posteriormente. Com esta mesma vontade em contribuir com o bairro, foi presidente do Clube Desportivo Municipal Uni-leste, da Sociedade Amigos da Vila Talarico e do Lions Clube da Vila Matilde. Era destemido, pois é necessária muita coragem para, sem nenhum tipo de escolaridade maior, assumir a responsabilidade de dirigir entidades tão grandes como estas.
Orlando não era um homem religioso. Gostava de dizer uma boa ação vale mais do que mil orações. Não usava muito do seu tempo orando. Ele preferia trabalhar duro para triunfar, ao invés de ficar esperando por uma providência Divina. Esforço constante e inquietude estavam entre suas qualidades. E assim fez muito pelo bairro e sempre deixou um legado por onde passou. No Clube Desportivo Municipal Uni-Leste, no Jardim Maringá, o salão de festas construído por ele leva o seu nome.
Outros tantos feitos louváveis, mas um deles o fez revoltar-se com Deus. Ele doou mais de 4 mil cadeiras de rodas enquanto ocupou estes diversos cargos de direção pelas entidades por onde passou. A revolta veio quando viu seu filho mais novo ser assaltado na rua onde moravam e levar um tiro, resultando na lesão medular que o deixou paraplégico, dependente de cadeira de rodas.
Ironia do destino. Como um padre disse na época, o fato de se revoltar e questionar Deus já mostra a existência da crença Nele. Como pai, ele sofreu muito e fez de tudo ao seu alcance para auxiliar seu filho de 26 anos na sua reabilitação. No quesito “ajuda” ele era campeão. Estava sempre disposto a ajudar. Não havia nada que seus filhos ou amigos pedissem que ele não fazia sorrindo e com boa vontade.
Mesmo depois de tanto sofrimento, ele ficou feliz e orgulhoso com a forma com que viu seu filho superar as dificuldades e se desenvolver tanto pessoal como profissionalmente, apesar da cadeira de rodas. O mesmo orgulho ele sempre fez questão de enaltecer em relação ao sucesso de suas filhas.

Sucessos que tiveram origem na semente plantada por Orlando, certamente.Sempre gostou de documentar a memória do bairro e no início fazia isso através de cartolinas com fotos antigas e curiosas, expondo-as nos eventos da região. Seus cartazes faziam tanto sucesso que fora convidado por diversas vezes por escolas para palestrar sobre a história que tinha para compartilhar. Como sempre pensava em melhorar, evoluiu de cartazes para banners impressos em lona, mas não se contentou. Mesmo sem dominar a tecnologia, fez questão de entrar numa escola de computação e criou o blog Vila Matilde em Foco (https://vilamatildeemfoco.blogspot.com) que já teve milhares de acessos ao redor do mundo. Um pouco sobre quem foi este grande homem também pode ser encontrado no Museu da Pessoa.

Um garoto gago e sem escolaridade que conseguiu prosperar na vida apesar de todas as adversidades. Proveu universidade para suas filhas e filho, entretanto, mais do que escolaridade superior ele os educou com grandes valores e altíssimas referências éticas, sociais e profissionais. E hoje, são seus filhos (Elaine, Adriana e Fabiano) que prestam esta homenagem para dizer o quanto sua falta dói no peito, mas afirmam com alegria nos corações que foram premiados por terem tido um pai como ele. Assim como a Vila Matilde também foi premiada por tê-lo na sua história.
Por: Fabiano D’Agostinho

Orlando D'Agostinho

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